11 de jan. de 2010

Retratos do cotidiano



"Estou procurando pousadas para passar o carnaval na Ferrugem". Disse ela na conversa de msn. Mas Ferrugem no carnaval? Vai ser igual ao verão no carandiru, só que com latinhas de cervejas espalhadas por tudo; e polar ainda, para caracterizar o mau gosto. Eu disse. Mas porque afinal tu pensou em ir pra Ferrugem? "Ah é que temos um grupo de mulheres solteiras".

Mas tu sabe né? Basta ser mulher para cair um homem do lado. "depende do tipo de homem que se está esperando" - disse ao ascender a esperança. Mas na Ferrugem? É o mesmo tipo de homem que tu encontra em qualquer estádio, escritório, balada, tele-entrega ou audi A3. São tantos quanto as baratas ao sair do bueiro. Ela pensa.

Subitamente outra conversa me aparece na tela. É um amigo me dizendo "olha que vídeo mais engraçado. hahahahahahaha". Abro o link e o que vejo é um combatente, destes árabes loucos da tv, lançando mísseis de morteiro em sua guerra de liberdade. Lança um, dois e o morteiro emperra no terceiro espalhando os átomos do guerrilheiro pela terra santa. Eu não achei engraçado. Digo e fecho a janela.

Me brilha a tela de novo. É minha amiga e a continuação da conversa. "Ah mas ninguém vai pra Ferrugem encontrar o príncipe encantado. Só vai dar boas risadas, ficar bêbada e transar com mais um babaca". Que horror. Diz o amigo das risadas do morteiro assassino, no ctrl + c, ctrl + v. Eu mantenho a conversa: Mas olha, não precisa procurar príncipe mas é bom procurar encanto.

Ela concorda e diz "tá, então me deixa informada sobre a tua viagem pro Uruguai, eu sou mesmo parceira". Outra janela se abre, é um amigo dentista, que pedi uma ajuda numa corrosão de canal. "Conseguiu falar com ele?" Diz este meu amigo e ele, é o dentista especialista no canal. Não cara, mas ligo amanhã, obrigado. E como estamos?

"Ressaca de ontem fui no jimba". E o que achou? "Tava muito bom, altas gatas peguei duas. Uma repetida e uma ex-colega mais ou menos. Mas peguei contatos com duas outras maravilhosas". Pô, e porque duas? "Ah tava afim de extravasar". Sei como é... e fecho a janela.

E eu sei mesmo como é. Uma corrosão de canal está lá sem a gente perceber, até que rasga a alma. Mas ela cresce na desconexão do cuidado. Tudo é separação, o nosso complexo anímico livre vira um confronto entre fronteiras. Agora estás em guerra e te garanto, vai perder. É impossível afetar-se com o infinito, quando não somos inteiros.

Falam o que não sentem e pensam o que não fazem, na ordem caótica qualquer do silogismo de Gandhi. Buscam nos outros o reconhecimento de si mesmos. Sendo ilha, não pode-se deixar afetar por terra de continente, pois assim o fazendo, perderia todo enfeite aceito de sua tendenciosa composição. Teu esforço é todo em busca de reconhecimento, para enganar o estômago.

É questão de opinião, tu vai dizer. Mas toda ilha precisa da opinião do outro. Você precisa de tudo no outro, afinal sem alguém para te achar o que tu demonstra, o que te sobraria se não o nada? Mas tu é mesmo o menininho dos olhos da ilha, não é? Enquanto alguém estiver lá para ser capturado, tua mentira do nada, passa mais um dia de vazio. Deve ser mesmo emocionante ser rei de ilha deserta.

E o que tu não és te escapa, como te escapa a vida. Por isto te perdes, mas da morte não escapas!

E ainda vão desenvolvendo um certo cinismo que de nada tem a ver com a doutrina cínica do cão original. Um cinismo que faria Diógenes, o matador de monstros, militar no conteporâneo. Mas este cinismo grosseiro é também um mecanismo de conserva. Como se ao banalizar o ato, te tornasse automaticamente descomprometido do mesmo. Pão e circo bastam para ilhar um homem.

E ao verme nem mesmo esforço é preciso para cavocar o abismo em procura do podre, basta passar pelo cotidiano. Mas o Verme sabe. Apenas o nada é digno da morte e só a morte pode ser constada como sorte de amor. É claro que todos têm um bom coração no abismo, mas não se engane, pois todo dia é dia do juízo. E o podre sabemos bem como é: Corrosivo. fraco. e oco.

Um comentário:

  1. Caro, às vezes preciso cavocar para conseguir enxergar o podre, ainda bem que tenho um amigo verme que me lembra que o podre está por todo lugar... Estou tentando fugir das baratas que saem do bueiro. Eu juro.

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