25 de dez. de 2009

Adão, Eva e os filhos do incesto.

Hoje contarei a história do nascimento de Jesus.

- Disse o verme enquanto, de costume, mastigava os restos de sofrimento e desamparo da ceia de natal.

Mas antes é preciso falar sobre outro grande homem, o profeta Zoroastro. Na história da humanidade, muito antes de Jesus, nascia um bebê sorrindo ao arrastar-se das paredes do ventre. Nesta época, os deuses eram pequenos como reis, orgulhosos e avarentos naquilo que lhes fechada o divino; e ao homem, que neles sustentavam suas feridas de existência, lhes cabia o temor.

Foi por este temor que eles renegaram Zoroastro. Um bebê não pode nascer sorrindo ao ver mundo tão escuro, diziam eles. O fato de Zoroastro nascer sorrindo, atentava desmantelar todo mecanismo patológico que sustentava os homens e os deuses como pertencentes à existência. Os deuses estavam furiosos. Este bebê ameaçava rasgar a corda do tempo e se assim o fizesse, tornar-se-ia imortal o que acabaria por suicidar todos os deuses e empurrar os homens abismo abaixo.

Assim iniciava Zoroastro sua caminhada aos astros. E desde o inicio pôs-se com coragem a enfrentar os deuses e tudo o que existe. Zoroastro, o matador de deuses, como todo homem que excedeu-se, enfrentou seus medos no abismo. E um dia, assim como Zoroastro passou por Nietzche em seus indagamentos, Vohu Mano passou por Zoroastro e os dias tornaram-se todos.

Vohu Mano é para Zoroastro a representação da afirmação incondicional da existência. Vohu Mano, a boa mente, é o batismo de sabedoria em Zoroastro, que em sua batalha com os deuses, erguia-se imaculado. Os imortais estavam mortos e Zoroastro detinha o selo da imortalidade finita em seu sorriso.

Zoroastro agora era homem, parte de toda criação e também símile do imperecível. Sua boa mente o levou a compartilhar sua mensagem com seus irmãos de espécie. Mas os homens sempre foram medrosos e desconfiados e não aceitaram a visão ampla de Zoroastro. Estavam hermeticamente acomodados em suas representações existenciais e não podiam tolerar ruptura.

Acontece que estes deuses eram nada pois fragmento de delírio do homem e sua onivontade dar-se-ia apenas no campo limitado de seus territórios. E quando o cavalo do governante dos homens adoecera e estava prestes a morrer, todos os deuses foram convocados para curá-lo mas nenhum o pode fazê-lo.

Sem mais opções o governante foi à procura de Zoroastro, que se prontificou de bom grado a olhar por seu cavalo. Todos ficaram pasmos ao ver que o cavalo havia sido curado pelos cuidados dele e o exaltaram como operador de milagre. Zoroastro, porém, lhes contou que nada tinha feito de milagroso e que só usara uma medicina comum em sua terra natal.

Ficaram encantados com a simplicidade e honestidade de Zoroastro e se prontificaram a escutar de novo a sua mensagem. Pudera Zoroastro ter se adquirido de poderes e mantos místicos ele manteve-se fiel ao verso criador, sua boa mente, e assim pode espalhar sua mensagem aos novos olhares dos homens. Esta é a história de Zoroastro, o matador de deuses, o observador dos astros.

A partir deste ponto, muitos outros começaram a compartilhar a existência com esta boa consciência de Zoroastro e estes eram chamados de Zoroastras. O Zoroatrismo é isto, literalmente, isto. Não se baseia em milagres, ou anjos, ou magia. É apenas uma boa mente apronfundada no abismo de pertencer. Seguindo a história, adiante na história da humanidade, veremos três importantes Zoroastras que foram o marco do nascimento de Jesus.

Seus nomes eram Baltazar, Melquior e Gaspar. Mais conhecidos como os três reis magos. Vivos em uma época retratada pelo esvaziamento dos deuses e o empobrecimento dos homens. Os homens açoitavam-se à miséria de si próprios. Em privilégio à vontade do controle dos corpos e das massas, o controle de si mesmos e de sua vontade era cada vez mais obscuro.

Baltazar, Melquior e Gaspar eram sábios de bastante prestigio e poder. Seres abstratos com ferramentas reais. Entendiam tanto de sua espiritualidade pertencente como das maquinações da sociedade. De boa vontade os três elaboraram um plano para libertar o povo de sua angústia e guiá-lo para a felicidade.

Eles iriam atrás de um salvador, um messias que pudesse guiar o povo à libertação de sua desgraça. Este messias deveria nascer com as mesmas condições de pobreza do povo e ter a coragem de exceder-se às suas misérias. Assim partiram os três Zoroastras, atrás do rastro da estrela em direção a Belém.

Em Belém todos notaram a presença dos Três. Suas roupas nobres, suas posturas eretas, suas faces bem cuidadas eram o oposto de todos os pobres da pequena vila. Aquele povo carecia de entusiasmo, seus olhos eram cansados, suas vestimentas sujas e seu caminhar pesado. Seguir aqueles homens santos era o mais costumeiro que poderiam fazer aqueles vileiros de vida pacata.

E como eles ficaram surpresos ao verem os três reis pararem por uma moça imunda no bairro mais imundo e prenhe de barriga.

- De quem é este filho? Os três perguntaram.

- Eu não sei. Respondeu ela de olhar baixo.

De fato, esta era Maria, como tantas outras Marias de Belém, dava-se a tantos homens que era incapaz de saber qual deles seria o pai da criança. Puta! Vagabunda! Começaram a gritar os vileiros em volta de Maria, mas logo foram impedidos pelos três que se pronunciaram:

- Deveras este filho não é filho de nenhum homem, pois este filho não tem pai senão o pai de todos, deus. Assim vos dizeis os reis sacerdotes Baltazar, Melquior e Gaspar.

Ah! Mas é claro. – esbraveja o Verme. O que Maria, desgraçada como vivia, iria acreditar: ter nela o filho de deus, reforçada pelo nome e honra de três homens poderosos ou ter nela um filho da puta? E assim também aceitaram todos os vileiros, com esperança de ter ali a salvação de sua miséria. Jesus nasceu e viveu pobre, mas pelo reforço da visão dos reis magos, construiu uma sólida perspectiva anímica pelo respeito e apreço dos companheiros de vila.

Aos seus doze anos, Baltazar, Melquior e Gaspar levaram o menino Jesus para apronfundar sua missão. Ensinaram o menino em muitos conhecimentos gerais e também o guiaram ao encontro com sua espiritualidade pertencente. Aos trinta, retorna e assim foi Jesus. Um homem, como Zoroastro. Parte do mundo e símile do imperecível.

Suas operações milagrosas foram obra de seus conhecimentos e de sua boa mente. Sua boa mente foi que tocou os corações dos menos necessitados em compartilhar com os mais necessitados, e isto não fora um simples milagre de multiplicação. Foi de seus bons conhecimentos que ele pode curar os enfermos e não de poderes divinos. Sua vestimenta mística de milagres parte do delírio aos mortos imortais. Não há poder mais divino do que isto, literalmente.

Entretanto a vontade do homem é transformar tudo em espetáculo. Parte da incompreensão ao seu próprio mistério de pertencimento. Jesus foi um grande homem. E o que este homem representou teve a ver com sua mensagem de profundidade e beleza. Sentimento este que tem de ser buscado individualmente pelo enfrentamento da miséria em si. O que não caberá em norma religiosamente cumprida.

Mas os homens temem a ressuscitar os deuses, pois assim o fazendo sentem-se seguros em não ter de temer seus próprios abismos. E como fizemos com Jesus Cristo. E como fizemos com Zoroastro. Nós os vermes continuaremos a trazê-los de volta a linha pertencente da criação.

E continuaremos devorando.

21 de dez. de 2009

A dobra da serpente

Os vermes de Marlox:

Não é da maçã que nasce a cobra, no entanto, pode ser da vontade a fonte de expansão para um tempo sem limite. Não sabemos nem quando, nem onde, mas o dia chegará para marcar a mudança que ainda não tem nome. Essa vontade não é simplesmente sexual ou virtual, mas natural.

Nesses encontros e desencontros a vida da as caras para um possível. Os entrelaces fustigados de energia não são explicáveis, mas afrontam moralismos, ditos pecaminosos e dogmáticos. O acontecimento como fonte, onde nasce e brota a esperança de ir além do conhecido.

No tempo desfragmentado não será necessário explicações ardilosas, nem mesmo articulações tempestuosas, pois as pessoas se entenderão pelo olhar e não mais pelas palavras. A violência não percorrerá as veias dos sentimentos. A liberdade não será fruto de uma vitória, mas de uma convivência fraternal.

Os relacionamentos amorosos não serão símbolos de conquistas, ou até mesmo de competência, mas de verdadeiros e sinceros sentimentos. Os significados se darão no calor da relação, ou seja, quando um não é sem o outro. Por ventura, as caricias formarão um único elo.

Nessa dobra de sentidos, constituída pela diversidade a maturidade aponta o caminho para a descoberta: a dobra valorada. Forjados na batalha, mas abastecidos da energia que não precisa de forma. O cansaço não nos vencerá, pois seremos fortes e guerreiros e na manhã do dia seguinte tomaremos café juntos.

Talvez na morte encontremos sentido para um sofrimento tão ardido, para um sentimento tão profundo, mas ao mesmo tempo enlouquecedor. De repente não saberemos jamais o porquê. A resposta não precisa ser dita, nem precisa ter um significado, pois no fundo, lá no fundo a pessoa sente o que é e o que não é.

É difícil enfrentar os desafios que corrompem nosso estado conformado. Não queremos pregar palavras, simplesmente discursos sem sentido, nossas palavras não devem ser apenas lidas ou proferidas, mas sentidas. Você faz parte desse acontecimento, deixe-se acontecer.

Abraços do irmão;
Pastor Frigido do Escudo Reverberante.

17 de dez. de 2009

Talvez no tempo da delicadeza...

Os vermes de Manuela:

Acordei sem despertar naquele dia. Todas as pulsões chacinavam-se, esgotadas. Meus pensamentos espalhados por todos os cantos, como cigarras performáticas de um verão glacial. A princípio pétalas, mas ali o caule inóspito revestido de um silêncio mortal.

Quando caminho por entre as sombras dos teus aforismos, vejo que são tão ou mais desordenados do que os meus. Não fazes idéia. Reprimiria os anseios submetidos à ordem de infração, sob teu magnetismo indesviável. Até mesmo me soltaria sem bússola caso fosse, mesmo que sem pouso. Ainda que sem repouso. Faria.

Entendo os receios, mas quanto à confiança devo alertar que sou um contra-senso aos que duvidam. Aos que não crêem sou mesmo um paradoxo, um demônio de silfos vestindo asas barrocas. Para os que não se arriscam na exuberância da soltura, aceito que me culpem. Que assim seja e me poupem de seus desgostos.

Nós somos d’outra natureza. Teu espírito também foi tecido em lugar edênico e estamos atrelados pelo mesmo fio. As mesmas dores, a mesma angústia, que já cristalizam pelas frestas de virtudes. Os subsídios já estão todos forjados.

Quanto às pedras atiradas, não procuro lapsos de bondade em olhares alheios, por onde possa encontrar ciscos de reconhecimento vulgar. Nem mesmo desejo partilhar parte da culpa através dos julgamentos de outrem. Faço por inteiro e que a conseqüência seja cabalmente minha. Hei de seguir da mesma forma, sem margem, sem método, com amor irrestrito.

Manicômios são territórios em que espíritos ordinários de olhos vazios depositam almas inquietas como as nossas. Depois que morrermos, viraremos bons poetas. Pobres, mal sabem de onde viemos, por onde andamos. Fracos, desconhecem a guerra e a honra. Ignorantes dos ventos que nos fazem içar as velas, bebendo poesia no remanso das águas. Que assim seja a sentença e custo. Cada qual sabe da própria renúncia, mesmo que seja por inabilidade.

Ainda tenho erros por cometer, e não há como ser d’outro modo. Assino cada um com nome, sangue e digital. E após toda essa deselegância virá nosso tempo, onde te alcançarei subitamente, irreversivelmente. Quiçá na face imprevista da poesia que corre a galope, abruptamente carregada pelo vento. Sem mágoa, sem volta. Por inteiro.